Instituto Espiritual Xamânico.

Nossa missão é colaborar para o despertar espiritual da Humanidade através do uso da Ayahuasca (Vinho das Almas), conhecida pelos nomes de Daime, Yagé ou Vegetal à sua origem imaculada, sem o uso de drogas e sem comercializar com o Sagrado, limpando o nome de Raimundo Irineu Serra, irmão de luz que jamais usou drogas.


AYAHUASCA

O uso ritualizado da Ayahuasca obteve respaldo legal do COFEN –Conselho Federal de Entorpecentes.

Dentre os muitos significados da terminologia “ayahuasca”, um dos mais conhecidos pode ser o de “chicote da alma”.

Ayahuasca, daime ou vinho das almas, é o líquido resultante da decocção de duas plantas de poder: o jagube(Banisteriopsis caapi) que é um cipó e a chacrona ou rainha da floresta (Psycotria Viridis), um arbusto de onde extraímos apenas as folhas. O jagube é a energia masculina e é ele quem dá a força . A chacrona é a energia feminina e é ela quem dá a luz. Explico que ayahuasca não é um chá, mas sim um vinho. Ela fermenta e tem o mesmo tratamento relativo à maturação do vinho de uvas.

Saibam que a diferença entre o veneno e o remédio encontra-se exatamente na concentração de um elemento químico. Mesmo um remédio simples como o AAS ácido acetilsalicílico, se ingerido em concentração maior, pode matar.

Um dos componentes da ayahuasca é o Dimetiltriptamina ou simplesmente DMT. Uma substância que contenha o DMT, para ser enquadrada como droga, dentro das leis científicas atuais, precisa conter uma concentração de pelo menos 2% de DMT. No caso da ayahuasca este percentual é 0,02%, ou seja, 100 vezes menor que a taxa mínima necessária para que uma substância seja taxada como droga.

Dizemos que a chacrona causa a luz, isto porque ela tem como princípio ativo o DMT que age como um neurotransmissor responsável pelo efeito luzente do daime, a expansão da consciência, sensação de grande paz e integração com o Todo .

O nosso sistema nervoso produz naturalmente uma enzima chamada de monoaminoxidase (MAO) que consegue inibir a ação do DMT em nosso organismo. Contudo o jagube tem como um de seus componentes o alcalóide Beta-Carbolina que anula a ação da monoaminoxidase , permitindo a ação do DMT proveniente das folhas da chacrona.

A ciência médica comprova que a maconha pode ter fins medicinais. Entretanto, se for usada de forma errada como: ser fumada, pitada, tragada, transforma-se em droga ilegal, o que prejudica quem dela fizer uso. O vício prejudica os neurônios deixando a pessoa letárgica e o pior - e que muitos não percebem - é que o uso da maconha rebaixa a freqüência espiritual dos usuários para níveis cada vez menores, colocando-os em sintonia com as hordas treveiras!

Pesquisas de cunho científico das maiores autoridades mundiais em toxicologia, etnobotânica, psiquiatria e psicofarmacologia, como os doutores Rick Strassman e Charles Grobb, comprovaram após anos de pesquisas intensas que a ayahuasca não é uma droga, não entorpece, não causa qualquer padrão de dependência, abuso, overdose ou abstinência e que principalmente como resultado científico destas pesquisas, não foi observado o surgimento de qualquer tipo que seja de distúrbios mentais posteriores ao uso da ayahuasca.
Nestas pesquisas foi constatada a DOSE LETAL da ayahuasca como dl50, ou seja, a quantidade a ser ingerida por um organismo para que ocorra o risco de óbito com a ayahuasca seria a de 7,8 litros, ou seja, uma pessoa precisa ingerir de uma só vez 7,8 L de daime para que ocorra um risco de óbito. A dose letal da ayahuasca é muito similar a dose letal da água! A dose letal da água é de aproximadamente 10 L. Se você ingerir de uma só vez 10 L de água pura, também ocorre o risco de óbito. Suco puro de maracujá, sua dose letal é de 8 l. Se você ingerir de uma só vez 8 L de suco de maracujá, também poderá entrar em risco de óbito.
E finalmente e mais impressionante queridos, a dose letal do uísque que tanta gente bebe, é de apenas 01 litro se você ingerir de uma só vez 01 litro de uísque você pode entrar no risco de óbito.

Contudo, aqui neste instituto xamânico o uso de ayahuasca para um trabalho com 12 h de duração é de no máximo 200 ml de daime.

Outra forma de estabelecer cientificamente o grau de toxidade de uma substância é : ministra-lá em 5 cobaias em doses de 01 grama por quilo. Se até cinco gramas não causar danos fisiopatológicos, a substância é considerada inócua . Com a ayahuasca essa marca foi ultrapassada consideravelmente, pois chegou a 5,8 gramas por quilo, sem qualquer forma de efeitos danosos.

Sabe-se que o uso concomitante de ayahuasca com antidepressivo não é recomendável.


INOCUIDADE DA AYAHUASCA

Entre 1991 e 1993, a Universidade Federal de São Paulo (antiga Escola Paulista de Medicina), Universidade de Campinas, Universidade do estado do Rio de Janeiro, Universidade do Amazonas, Instituto Nacional de Pesquisas Amazônicas (INPA), Universidade da Califórnia, Universidade de Miami, Universidade do Novo México e Universidade de Kuopio (Finlândia), foram convidados por inciativa de uma das igrejas sincréticas Brasileiras, a UDV, para gerenciar uma pesquisa cientifica, intitulada “Farmacologia Humana da Hoasca, chá usado em contexto ritual no Brasil”.

A pesquisa foi articulada pela direção central do Centro de Estudos Médico-Científico da União do Vegetal, órgão interno da instituição, que reúne seus adeptos profissionais de áreas relevantes. Os resultados constatam que a bebida Ayahuasca é inofensiva à saúde.

A pesquisa está publicada em importantes revistas científicas como: “Psychopharmacology”, em texto assinado por J. C. Callaway (PhD), e “The Journal of Nervous and Mental Disease”, em texto de Charles S.Grobb(PhD).

Este estudo se deu em Manaus e envolveu nove centros universitários e instituições de pesquisa do Brasil, Estados Unidos e Finlândia, financiados pela fundação norte-americana Botanical Dimension. A pesquisa começou a ser planejada em 1991 e aconteceu em 1993. Consistiu em aplicar testes laboratoriais e questionários, dentro dos procedimentos científicos padrões, em usuários da Ayahuasca. Eram pessoas de faixas etárias variadas, dos meios urbano e rural, freqüentadores assíduos dos cultos. Os testes foram também executados em não usuários servindo de grupo de controle.

A avaliação psiquiátrica conduzida pelo Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Centro de Referência da Organização Mundial da Saúde, não encontrou entre os usuários pesquisados nenhum caso de dependência, abuso ou perda social pelo uso da Ayahuasca, aspectos presentes em usuários de drogas proscritas pela legislação.

As conclusões comparativas são surpreendentes. A primeira delas, confirmando a afirmação de que a bebida é inócua do ponto de vista toxicológico: não se constatou “nenhuma diferença significante no sistema neurosensorial, circulatório, renal, respiratório, digestivo, endócrino entre os grupos experimentadores e de controle”.

Nos testes psiquiátricos, foram aplicados os recomendados pela ortodoxia científica, o CIDI (Composite International Diagnostic Interview), com os critérios do CID 10 e DSM IIIR, e o TPQ (Tridimensional Personality Questionnaire). Constatou-se que os usuários da Ayahuasca, comparativamente aos não usuários (grupo de controle) mostraram-se mais “reflexivos, resistentes, leais, estóicos, calmos, frugais, ordeiros e persistentes”. E ainda: mais “confiantes, otimistas, despreocupados, desinibidos, dispostos e enérgicos”. Exibiram também “alegria, hipertimia, determinação e confiança elevada em si mesmo”. Os examinandos apresentaram desempenho significativamente melhor que os do grupo de controle quanto à capacidade de lembrar as palavras na quinta tentativa. Foram melhores também em “número de palavras lembradas, recordação tardia e recordação de palavras após interferência”.

Embora o protocolo de estudo não permitia separar os benéficos atinentes ao contexto religioso dos efeitos da bebida em si, esta pesquisa confirma a impressão geral, decorrente da sua utilização milenar, da inocuidade da Ayahuasca. De fato não se conhece caso de lesões e doenças provocadas pelo seu uso “in natura”, sem adulterações ou misturas.

Abaixo segue o paracer final do CONAD, atual SENAD(secretaria nacional anti drogas).


GRUPO MULTIDISCIPLINAR DE TRABALHO - GMT- AYAHUASCA



RELATÓRIO FINAL



I - INTRODUÇÃO



1. O CONAD é o órgão normativo do Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD – e suas decisões “deverão ser cumpridas pelos órgãos e entidades da Administração Pública integrantes do Sistema” (arts. 3o, I, 4o, 4o, II e 7o, do Decreto no 3.696, de 21/12/2000). Assim, no exercício de sua competência legal aprovou parecer da CATC que, por sua vez, adotou pareceres do colegiado que o precedeu – o CONFEN – e abordou outros aspectos pertinentes ao tema “o uso religioso da ayahuasca” cumprindo destacar a observação final e as conclusões do parecer que o CONAD aprovou: “que fique registrado em ata, para fins, inclusive de utilização pelos interessados, que não pode haver restrição, direta ou indireta, às práticas religiosas das comunidades, baseada em proibição do uso ritual da Ayahuasca”.



2. O referido parecer concluiu: “a) a câmara ratifica as decisões anteriores do colegiado, com os aditamentos do presente parecer, conforme referido no ponto no 4; b) recomenda-se a consolidação, em separata, de todas as decisões supracitadas, para acesso e utilização dos interessados; c) a liberdade religiosa e o poder familiar devem servir à paz social, à qual se submete a autonomia individual; d) deve ser reiterada a liberdade do uso religioso da Ayahuasca, tendo em vista os fundamentos constantes das decisões do colegiado, em sua composição antiga e atual, considerando a inviolabilidade de consciência e de crença e a garantia de proteção do Estado às manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, com base nos arts. 5o, VI e 215, § 1o da Constituição do Brasil, evitada, assim, qualquer forma de manifestação de preconceito”.



3. A Resolução nº 05 – CONAD, de 10 de novembro de 2004, tem por objetivo contribuir para a plena implementação do que foi discutido e aprovado ”sobre o uso religioso da Ayahuasca”, e para tanto foi constituído o GMT que, assim, terá por premissas as questões decididas pelo CONAD, para laborar, com ampla liberdade, no “estudo do que é preciso fazer”, ou seja, na formulação de documento que “traduza a deontologia do uso da Ayahuasca”.



4. O Grupo Multidisciplinar de Trabalho, instituído pela Resolução nº. 5 CONAD, de 04 de novembro de 2004, para levantamento e acompanhamento do uso religioso da Ayahuasca, bem como para a pesquisa de sua utilização terapêutica, em caráter experimental, foi oficialmente instalado pelo Ministro-Chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República e Presidente do Conselho Nacional Antidrogas, JORGE ARMANDO FELIX, em 30 de maio de 2006, no Palácio do Planalto, em Brasília-DF, e teve como objetivo final a elaboração de documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado.



5. AYAHUASCA, aqui, é referida de modo genérico, para manter a uniformidade do texto e a harmonia com a nomenclatura utilizada nos atos oficiais do CONAD, mas é conhecida por diversos outros nomes, conforme a comunidade que o usa no Brasil ou no Exterior, destacando-se as expressões mais conhecidas “HOASCA”, “SANTO DAIME” e “VEGETAL”, compostos, indistintamente, pelo cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc) e pela folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.).



6. Nos termos da referida Resolução, o GMT foi composto por seis estudiosos , indicados pelo CONAD, das áreas que atenderam, dentre outros, os seguintes aspectos: antropológico (representado pelo Dr. Edward John Baptista das Neves MacRae), farmacológico/bioquímico (Dr. Isac Germano Karniol), social (Drª Roberta Salazar Uchoa), psiquiátrico (Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho) e jurídico (Drª Ester Kosovski) e seis membros, convidados pelo CONAD, representantes dos grupos religiosos que fazem uso da Ayahuasca, eleitos em Seminário realizado em Rio Branco nos dias 9 e 10 de março de 2006, a saber: Linha do Padrinho Sebastião Mota de Melo: Alex Polari de Alverga; Linha do Mestre Raimundo Irineu Serra: Jair Araújo Facundes e Cosmo Lima de Souza; Linha do Mestre José Gabriel da Costa: Edson Lodi Campos Soares; Linha Independente (Outras Linhas): Luis Antônio Orlando Pereira e Wilson Roberto Gonzaga da Costa. Considerando que a linha do Mestre Daniel Pereira de Matos, popularmente conhecida como linha da Barquinha, decidiu não participar do GMT, conforme carta endereçada ao CONAD, foi realizada durante o seminário eleição entre os suplentes já eleitos das linhas presentes para o preenchimento da vaga em aberto. Nesta ocasião foi eleito mais um representante da linha do Mestre Raimundo Irineu Serra.



7. O GMT contou com o apoio da Secretaria Nacional Antidrogas, representada pela Diretora de Políticas de Prevenção e Tratamento, Drª Paulina do Carmo Arruda Vieira Duarte, e da Assessoria Executiva do CONAD, representada pelas Sras. Déborah de Oliveira Cruz e Maria de Lourdes Carvalho. Em suas reuniões ordinárias contou com o apoio do Dr. Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Jurista, Membro Titular do CONAD e da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, também representada pelo Dr. Marcelo de Araújo Campos e pela Drª Maria de Lourdes Zenel.



8. Além da primeira reunião em que os membros do GMT foram empossados, foram realizadas mais seis reuniões de trabalho na Sala de Reuniões da Secretaria Nacional Antidrogas, nos dias 28/06, 28/07, 28/08, 23 e 24/10 e 23/11, todas registradas em atas, durante as quais se discutiu a seguinte pauta: cadastramento das entidades; aspectos jurídicos e legais para regulamentação do uso religioso e amparo do direito à liberdade de culto; regulação de preceitos para produção, uso, envio e transporte da Ayahuasca; procedimentos de recepção de novos interessados na prática religiosa; definição de uso terapêutico e outras questões científicas; Ayahuasca, cultura e sociedade; e, sistematização do trabalho para elaboração do documento final.



9. O objetivo final do GMT, nos termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, é identificar “o que é preciso fazer” para atender aos diversos itens que integram os direitos e obrigações pertinentes ao “uso religioso da Ayahuasca”. O “estudo” desse “o que é preciso fazer” constituiu-se, exatamente, nas atividades desenvolvidas pelo GMT, traduzindo, assim, a “deontologia do uso da Ayahuasca”: (deon, do grego: “o que é preciso fazer” + logos, também do grego: “estudo” ).





II - HISTÓRICO DA REGULAMENTAÇÃO DO USO DA AYAHUASCA



10. A instituição do Grupo Multidisciplinar de Trabalho expressa dever constitucional do Estado Brasileiro de proteger as manifestações populares e indígenas e garantir o direito de liberdade religiosa. Representa o coroamento do processo de legitimação do uso religioso da Ayahuasca no país, iniciado há mais de vinte anos, com a criação do 1º Grupo de Trabalho do CONAD (na época CONFEN), designado para examinar a conveniência da suspensão provisória da inclusão da substância Banisteriopsis caapi na Portaria nº 02/85, da DIMED (Resolução nº. 04/85, do CONFEN).



11. Este primeiro estudo, após dois anos, com a realização de várias pesquisas e visitas às comunidades usuárias em diversos Estados da Federação, principalmente ao Acre, Amazonas e Rio de Janeiro, resultou em extenso relatório , de setembro de 1987, subscrito pelo então Conselheiro do CONFEN, Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, Presidente do Grupo de Trabalho, que concluiu que as espécies vegetais que integram a elaboração da bebida denominada de Ayahuasca ficassem excluídas das listas de substâncias proscritas pela DIMED.



12. Esta conclusão foi aprovada pelo plenário do antigo Conselho Federal de Entorpecentes, em reunião de setembro de 1987, de sorte que a suspensão provisória da interdição do uso da Ayahuasca, levada a termo pela Resolução nº 06, do CONFEN, de 04 de fevereiro de 1986, tornou-se definitiva, com a exclusão da bebida e das espécies vegetais que a compõem das listas da DIMED.



13. A despeito disso, em 1991, em face de denúncia anônima, por iniciativa do então Conselheiro do CONFEN, Paulo Gustavo de Magalhães Pinto, Chefe da Divisão de Repressão a Entorpecentes do Departamento de Polícia Federal, a “questão do uso da Ayahuasca” foi reexaminada.



14. Disso resultou mais uma vez, por parte do CONFEN, a realização de estudos acerca do contexto de produção e do consumo da bebida, desenvolvidos pelo Doutor Domingos Bernardo Gialluisi da Silva Sá, o qual, em parecer conclusivo de 02/06/92, aprovado por unanimidade na 5ª Reunião Ordinária do CONFEN realizada na mesma data, considerou que não havia razões para alterar a conclusão proposta em 1987, no relatório final já mencionado .



15. Dez anos depois, em face de denúncias de uso inadequado da bebida Ayahuasca, a maior parte divulgada na imprensa e outras tantas dirigidas aos órgãos do Poder Público, notadamente CONAD, Polícia Federal e Ministério Público, fato que está amplamente documentado na consolidação das decisões e estudos do CONAD e de outras instituições acerca do uso da Ayahuasca, novo Grupo de Trabalho foi definido pela Resolução nº 26, de 31 de dezembro de 2002.



16. De acordo com esta resolução, o GT deveria ser composto por diversas instituições , com base no princípio da responsabilidade compartilhada, agora com o objetivo de fixar normas e procedimentos que preservassem a manifestação cultural religiosa, observando os objetivos e normas estabelecidas pela Política Nacional Antidrogas e pelos diplomas legais pertinentes. Não há registro de que este grupo tenha sido constituído.



17. Em 24 de março de 2004 o CONAD solicitou à Câmara de Assessoramento Técnico Científico a elaboração de estudo e parecer técnico-científico a respeito de diversos aspectos do uso da Ayahuasca, ocasião em que o referido órgão de assessoramento do CONAD emitiu parecer apresentado e aprovado na Reunião do CONAD de 17/08/04, o qual serviu de fundamento à Resolução nº 5, do CONAD, de 04/11/04, que institui o atual Grupo Multidisciplinar de Trabalho.



III - ANDAMENTO DAS REUNIÕES



18. A fim de atender aos termos da resolução que o instituiu, o GMT teve como primeira tarefa, depois de eleger o Presidente e o Vice-Presidente do Grupo, respectivamente Dr. Dartiu Xavier da Silveira Filho e Edson Lodi Campos Soares, a elaboração do Cadastro Nacional das Entidades Usuárias da Ayahuasca - CNEA.



19. Acerca desse tema, muitos foram os questionamentos levados em consideração pelo grupo, a começar pela finalidade do referido cadastro, que não deve servir de mecanismo de controle estatal sobre o direito constitucional à liberdade de crença (art. 5º, VI, CF). Discutiu-se também acerca de sua objetividade, de sorte que não constassem exigências que viessem a invadir o direito individual à intimidade, vida privada e imagem dos usuários (art. 5º, X, CF). Nesse sentido, chegou-se ao consenso de que responder ou não ao cadastro seria uma faculdade das entidades.



20. Fixados esses parâmetros, o formulário de cadastro foi colocado à disposição dos interessados, acompanhado de carta explicativa e cópia da Resolução nº. 05/04, do CONAD. Até a presente data foi cadastrada quase uma centena de entidades, dando também uma dimensão parcial das diversas práticas que são adotadas pelas entidades que fazem uso da Ayahuasca no Brasil. O cadastro continua disponível às entidades interessadas.



21. O GMT procurou destacar e consolidar as práticas que para as próprias entidades representam o uso religioso adequado e responsável, anteriormente estabelecidos na “Carta de Princípios”, resultado do 1º Seminário das entidades da Ayahuasca, realizado em Rio Branco em 24 de novembro de 1991. Nas discussões priorizaram-se os seguintes temas: definição de uso ritual, comércio, turismo, publicidade, associação da Ayahuasca com outras substâncias, criação de novos centros, auto-sustentabilidade das entidades, procedimentos de recepção de novos interessados, curandeirismo, uso terapêutico, assim como definição de mecanismos para tornar efetivos os princípios deontológicos formulados. A maior parte das deliberações do grupo foi consensual e estão sintetizadas no item V – Conclusão.



IV – TEMAS DISCUTIDOS



IV.I – USO RELIGIOSO DA AYAHUASCA



22. Ao longo de décadas o uso ritualístico da Ayahuasca – bebida extraída da decocção do cipó Banisteriopsis caapi (jagube, mariri etc.) e da folha Psychotria viridis (chacrona, rainha etc.) – tem sido reconhecido pela sociedade brasileira como prática religiosa legítima, de sorte que são mais do que atuais as conclusões de relatórios e pareceres decorrentes de estudos multidisciplinares determinados pelo antigo CONFEN, desde 1985, que constatavam que “há muitas décadas o uso da Ayahuasca vem sendo feito, sem que tenha redundado em qualquer prejuízo social conhecido” .



23. A correta identificação do que é uso religioso, segundo os conceitos e práticas ditadas, a partir das próprias entidades que fazem uso da Ayahuasca, permitirá assegurar a proteção da liberdade de crença prevista na Constituição Federal. Considerando a ocorrência de registros de uso não religioso da Ayahuasca, sua identificação possibilitará prevenir práticas que não se amoldam à proteção constitucional.



24. Trata-se, pois, de ratificar a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca como rica e ancestral manifestação cultural que, exatamente pela relevância de seu valor histórico, antropológico e social, é credora da proteção do Estado, nos termos do art. 2o, “caput”, da Lei 11.343/06 e do art. 215, §1º, da CF. Devem-se evitar práticas que possam pôr em risco a legitimidade do uso religioso tradicionalmente reconhecido e protegido pelo Estado brasileiro, incluindo-se aí o uso da Ayahuasca associado a substâncias psicoativas ilícitas ou fora do ambiente ritualístico.



IV.II – COMERCIALIZAÇÃO



25. O GMT reconhece o caráter religioso de todos os atos que envolvem a Ayahuasca, desde a coleta das plantas e seu preparo, até seu armazenamento e ministração, de modo que seu praticante de tudo participa com a convicção de que pratica ato de fé e não de comércio. Daí decorre que o plantio, o preparo e a ministração com o fim de auferir lucro é incompatível com o uso religioso que as entidades reconhecem como legítimo e responsável.



26. Quem vende Ayahuasca não pratica ato de fé, mas de comércio, o que contradiz e avilta a legitimidade do uso tradicional consagrado pelas entidades religiosas.



27. A vedação da comercialização da Ayahuasca não se confunde com seu custeio, com pagamento das despesas que envolvem a coleta das plantas, seu transporte e o preparo. Tais custos de manutenção, conforme seja o seu modo de organização estatutária, são suportados pela comunidade usuária. E é evidente, também, que a produção da Ayahuasca tem um custo, que pode variar de acordo com a região que a produz, a quantidade de adeptos, a maior ou menor facilidade com que se adquire a matéria prima (cipó e folha), se se trata de plantio da própria entidade ou se as plantas são obtidas na floresta nativa, e tantas outras variáveis.



28. Historicamente, porém, de acordo com a experiência das entidades religiosas chamadas a compor o Grupo Multidisciplinar de Trabalho, esse custo é partilhado no seio da instituição por meio das contribuições dos membros de cada entidade. Os sócios respondem pelas despesas de manutenção da organização religiosa, nas quais estão incluídos os gastos com a produção da Ayahuasca, com prestação de contas regular.



29. O uso religioso responsável na produção da Ayahuasca é delineado a partir da constatação das práticas das entidades: a) cultivar as plantas e preparar a Ayahuasca, em princípio, para seu próprio consumo; b) buscar a sustentabilidade na produção das espécies; e, c) quando não possuir cultivo próprio e nenhuma forma de obtenção da matéria prima na floresta nativa – sem prejuízo de buscar a auto-suficiência em prazo razoável – nada obsta obter o chá mediante custeio das despesas tão somente, evitando-se que pessoas, grupos ou entidades se dediquem, com exclusividade ou majoritariamente, ao fornecimento a terceiros.



IV.III – SUSTENTABILIDADE DA PRODUÇÃO DA AYAHUASCA



30. A cultura do uso religioso da Ayahuasca, por se tratar de fé baseada em bebida extraída de plantas nativas da Floresta Amazônica, pressupõe responsabilidade ambiental na extração das espécies. As entidades religiosas devem buscar a auto-sustentabilidade na produção da bebida, cultivando o seu próprio plantio.



IV.IV – TURISMO



31. Turismo, como atividade comercial, deve ser evitado pelas entidades, que por se constituírem em instituições religiosas, não devem se orientar pela obtenção de lucro, principalmente decorrente da exploração dos efeitos da bebida.



32. A Constituição Federal garante o livre exercício dos cultos religiosos, que tem como conseqüência o direito à propagação da fé através do intercâmbio legitimo de seus membros. Neste sentido todos têm direito de professar a sua fé livremente e de promover eventos dentro dos limites legais estabelecidos. O que se quer evitar é que uma prática religiosa responsável, séria, legitimamente reconhecida pelo Estado, venha a se transformar, por força do uso descomprometido com princípios éticos, em mercantilismo de substância psicoativa, enriquecendo pessoas ou grupos, que encontram no argumento da fé apenas o escudo para práticas inadequadas.



IV.V - DIFUSÃO DAS INFORMAÇÕES



33. A publicidade da Ayahuasca também tem sido motivo de deturpações e abusos, notadamente na Internet. Observa-se, principalmente neste meio de comunicação, o oferecimento de toda espécie de cursos e oficinas remuneradas, cujo elemento central é o uso da Ayahuasca associado a promessas de experiências transformadoras descomprometidas com o ritual religioso.



34. A partir das experiências das entidades e de suas práticas rituais, verifica-se que o uso ritual responsável é incompatível com a publicidade e a oferta de promessas de curas milagrosas, de transformações pessoais arrebatadoras e com a indução das pessoas a acreditarem que a Ayahuasca é o remédio para todos os males. É consenso no GMT que quem faz uso religioso responsável não divulga informações que possam induzir as pessoas a terem uma imagem fantasiosa da Ayahuasca e trata do tema com discrição, sem fazer alardes dos efeitos da substância.



IV.VI - USO TERAPÊUTICO



35. Para fins deste relatório “terapia” é compreendida como atividade ou processo destinado à cura, manutenção ou desenvolvimento da saúde, que leve em conta princípios éticos científicos.



36. Tradicionalmente, algumas linhas possuem trabalhos de cura em que se faz uso da Ayahuasca, inseridos dentro do contexto da fé. O uso terapêutico que tradicionalmente se atribui à Ayahuasca dentro dos rituais religiosos não é terapia no sentido acima definido, constitui-se em ato de fé e, assim sendo, ao Estado não cabe intervir na conduta de pessoas, grupos ou entidades que fazem esse uso da bebida, em contexto estritamente religioso. Em outra condição se encontram aqueles que se utilizam da bebida fora do contexto religioso. Isto nada tem que ver com uso religioso, e tal prática não está reconhecida como legítima pelo CONAD, que se limitou a autorizar o uso da substância em rituais religiosos.



37. A utilização terapêutica da Ayahuasca em atividade privativa de profissão regulamentada por lei dependerá da habilitação profissional e respaldo em pesquisas científicas, pois de outra forma haverá exercício ilegal de profissão ou prática profissional temerária.



38. Qualquer prática que implique utilização de Ayahuasca com fins estritamente terapêuticos, quer seja da substância exclusivamente, quer seja de sua associação com outras substâncias ou práticas terapêuticas, deve ser vedada, até que se comprove sua eficiência por meio de pesquisas científicas realizadas por centros de pesquisa vinculados a instituições acadêmicas, obedecendo às metodologias científicas. Desse modo, o reconhecimento da legitimidade do uso terapêutico da Ayahuasca somente se dará após a conclusão de pesquisas que a comprovem.



39. Com fundamento nos relatos dos representantes das entidades usuárias, verificou-se que as curas e soluções de problemas pessoais devem ser compreendidas no mesmo contexto religioso das demais religiões: enquanto atos de fé, sem relação necessária de causa e efeito entre uso da Ayahuasca e cura ou soluções de problemas.



IV.VI - ORGANIZAÇÃO DAS ENTIDADES



40. O crescimento do uso da Ayahuasca e a facilidade com que se pode comprar a bebida de pessoas que a produzem sem compromisso com a fé têm levado ao surgimento de novas entidades, que não possuem experiência no lidar com a bebida e seus efeitos, assim como fazem mau uso da Ayahuasca, associando-a a práticas que nada têm a ver com religião. O uso ritual caracterizado pela busca de uma identidade religiosa se diferencia do uso meramente recreativo.



41. O uso religioso responsável da Ayahuasca pressupõe a presença de pessoas experientes, que saibam lidar com os diversos aspectos que envolvem essa prática, a saber: capacidade de identificar as espécies vegetais e de preparar a bebida, reconhecer o momento adequado de servi-la, discernir as pessoas a quem não se recomenda o uso, além de todos os aspectos ligados ao uso ritualístico, conforme sua orientação espiritual.



42. Embora se reconheça o ato de fé solitário e isolado, usualmente a prática religiosa se desenvolve coletivamente. É recomendável que os grupos constituam-se em organizações formais, com personalidade jurídica, consolidando a idéia de responsabilidade, identidade e projeção social, que possibilite aos usuários a prática religiosa em ambiente de confiança.



IV.VII - PROCEDIMENTOS DE RECEPÇÃO DE NOVOS ADEPTOS



43. Além dos princípios inerentes a cada uma das linhas doutrinárias na recepção de novos membros, é razoável e prudente que ao se ministrar a Ayahuasca seja levado em conta o relato de alterações mentais anteriores, o estado emocional no momento do uso e que eles não estejam sob efeito de álcool ou outras substâncias psicoativas.



44. Antes de ingerir pela primeira vez, o interessado deve ser informado acerca de todas as condições que se exigem para o uso da Ayahuasca, conforme a orientação de cada entidade. Uma entrevista prévia, oral ou escrita, deve ser realizada no sentido de averiguar as condições do interessado e a ele devem ser dados os esclarecimentos necessários acerca dos efeitos naturais da bebida.



45. É recomendável que cada entidade acompanhe os participantes até a finalização de seus rituais, excetuada a saída previamente solicitada em casos excepcionais e com a anuência do responsável.



IV.VIII – USO DA AYAHUASCA POR MENORES E GRÁVIDAS



46. Tendo em vista a inexistência de suficientes evidências cientificas e levando em conta a utilização secular da Ayahuasca, que não demonstrou efeitos danosos à saúde, e os termos da Resolução nº 05/04, do CONAD, o uso da Ayahuasca por menores de 18 (dezoito) anos deve permanecer como objeto de deliberação dos pais ou responsáveis, no adequado exercício do poder familiar (art. 1634 do CC); e quanto às grávidas, cabe a elas a responsabilidade pela medida de tal participação, atendendo, permanentemente, a preservação do desenvolvimento e da estruturação da personalidade do menor e do nascituro.



V - CONCLUSÃO:



a. Considerando que o CONAD, acolhendo parecer da Câmara de Assessoramento Técnico Científico, reconheceu a legitimidade do uso religioso da Ayahuasca, nos termos da Resolução nº 05/04, que instituiu o GMT para elaborar documento que traduzisse a deontologia do uso da Ayahuasca, como forma de prevenir seu uso inadequado;



b. Considerando que o GMT, após diversas discussões e análises, onde prevaleceu o confronto e o pluralismo de idéias, considerou como uso inadequado da Ayahuasca a prática do comércio, a exploração turística da bebida, o uso associado a substâncias psicoativas ilícitas, o uso fora de rituais religiosos, a atividade terapêutica privativa de profissão regulamentada por lei sem respaldo de pesquisas cientificas, o curandeirismo, a propaganda, e outras práticas que possam colocar em risco a saúde física e mental dos indivíduos;



c. Considerando que a dignidade da pessoa humana é princípio fundante da República Federativa do Brasil, e dentre os direitos e garantias dos cidadãos sobressai-se a liberdade de consciência e de crença como direitos invioláveis, cabendo ao Estado, na forma da lei, garantir a proteção aos locais de culto e a suas liturgias (CF, arts. 1º, III, 5º, VI);



d. Considerando a decisão do INCB (International Narcotics Control Board), da Organização das Nações Unidas, relativa à Ayahuasca, que afirma não ser esta bebida nem as espécies vegetais que a compõem objeto de controle internacional;



e. Considerando, por fim, que o uso ritualístico religioso da Ayahuasca, há muito reconhecido como prática legitima, constitui-se manifestação cultural indissociável da identidade das populações tradicionais da Amazônia e de parte da população urbana do País, cabendo ao Estado não só garantir o pleno exercício desse direito à manifestação cultural, mas também protegê-la por quaisquer meios de acautelamento e prevenção, nos termos do art. 2o, “caput”, Lei 11.343/06 e art. 215, caput e § 1º c/c art. 216, caput e §§ 1º e 4º da Constituição Federal.



O Grupo Multidisciplinar de Trabalho aprovou os seguintes princípios deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca:



1. O chá Ayahuasca é o produto da decocção do cipó Banisteriopsis caapi e da folha Psychotria viridis e seu uso é restrito a rituais religiosos, em locais autorizados pelas respectivas direções das entidades usuárias, vedado o seu uso associado a substâncias psicoativas ilícitas;



2. Todo o processo de produção, armazenamento, distribuição e consumo da Ayahuasca integra o uso religioso da bebida, sendo vedada a comercialização e ou a percepção de qualquer vantagem, em espécie ou in natura, a título de pagamento, quer seja pela produção, quer seja pelo consumo, ressalvando-se as contribuições destinadas à manutenção e ao regular funcionamento de cada entidade, de acordo com sua tradição ou disposições estatutárias;



3. O uso responsável da Ayahuasca pressupõe que a extração das espécies vegetais sagradas integre o ritual religioso. Cada entidade constituída deverá buscar a auto-sustentabilidade em prazo razoável, desenvolvendo seu próprio cultivo, capaz de atender suas necessidades e evitar a depredação das espécies florestais nativas. A extração das espécies vegetais da floresta nativa deverá observar as normas ambientais;



4. As entidades devem evitar o oferecimento de pacotes turísticos associados à propaganda dos efeitos da Ayahuasca, ressalvando os intercâmbios legítimos dos membros das entidades religiosas com suas comunidades de referência;



5. Ressalvado o direito constitucional à informação, recomenda-se que as entidades evitem a propaganda da Ayahuasca, devendo em suas manifestações públicas orientar-se sempre pela discrição e moderação no uso e na difusão de suas propriedades;



6. A prática do curandeirismo é proibida pela legislação brasileira. As propriedades curativas e medicinais da Ayahuasca – que as entidades conhecem e atestam – requerem uso responsável e devem ser compreendidas do ponto de vista espiritual, evitando-se toda e qualquer propaganda que possa induzir a opinião pública e as autoridades a equívocos;



7. Recomenda-se aos grupos que fazem uso religioso da Ayahuasca que se constituam em organizações jurídicas, sob a condução de pessoas responsáveis com experiência no reconhecimento e cultivo das espécies vegetais sagradas, na preparação e uso da Ayahuasca e na condução dos ritos;



8. Compete a cada entidade religiosa exercer rigoroso controle sobre o sistema de ingresso de novos adeptos, devendo proceder entrevista dos interessados na ingestão da Ayahuasca, a fim de evitar que ela seja ministrada a pessoas com histórico de transtornos mentais, bem como a pessoas sob efeito de bebidas alcoólicas ou outras substâncias psicoativas;



9. Recomenda-se ainda manter ficha cadastral com dados do participante e informá-lo sobre os princípios do ritual, horários, normas, incluindo a necessidade de permanência no local até o término do ritual e dos efeitos da Ayahuasca.



10. Observados os princípios deontológicos aqui definidos, cabe a cada entidade e a seus membros indistintamente, no relacionamento institucional, religioso ou social que venham a manter umas com as outras, em qualquer instância, zelar pela ética e pelo respeito mútuo.



PROPOSIÇÕES:



1. QUANTO ÀS PESQUISAS DO USO TERAPÊUTICO DA AYAHUASCA EM CARÁTER EXPERIMENTAL:



a. Devem-se fomentar pesquisas cientificas abrangendo as seguintes áreas: farmacologia, bioquímica, clínica, psicologia, antropologia e sociologia, incentivando a multidisciplinaridade;



b. Sugere-se ao CONAD que promova e financie, a partir de 2007, pesquisas relacionadas com o uso e efeitos da Ayahuasca.



2. QUANTO À QUESTÃO AMBIENTAL E AO TRANSPORTE:



a. Sugere-se ao CONAD que considere a possibilidade de intercâmbio com o CONAMA, se possível lançando mão do auxílio das entidades religiosas, no sentido de estabelecer medidas de proteção às espécies vegetais que servem de matéria prima à Ayahuasca, por meio de legislação específica para essas plantas de uso ritualístico religioso, as quais não podem ser tratadas indistintamente como um produto florestal não madeireiro.



b. Sugere-se ao CONAD ainda, que faça os encaminhamentos devidos junto aos órgãos competentes do Estado, no sentido de regulamentar o transporte interestadual da Ayahuasca entre as entidades, ouvindo-se previamente os interessados.



3. QUANTO À EFETIVIDADE DOS PRINCÍPIOS DEONTOLÓGICOS:



a. Sugere-se ao CONAD que estude a possibilidade de fixar mecanismos de controle quanto ao uso descontextualizado e não ritualístico da Ayahuasca, tendo como paradigma os princípios deontológicos ora fixados, com efetiva participação de representantes das entidades religiosas.



b. Solicita-se ao CONAD apoio institucional para a criação de instituição representativa das entidades religiosas que se forme por livre adesão, para o exercício do controle social no cumprimento dos princípios deontológicos aqui tratados.



c. Sugere-se ainda, caso os princípios deontológicos aqui definidos sejam acatados, que disto seja dada ampla publicidade, preferencialmente com a realização de um segundo seminário organizado pelo próprio CONAD auxiliado pelo Grupo Multidisciplinar de Trabalho, do qual devem participar todas as entidades, sem prejuízo do encaminhamento formal do ato a todos os órgãos dos Ministérios Públicos e da Magistratura Federal e Estaduais, Polícia Federal e Secretarias de Segurança Pública dos Estados.



Brasília, 23 de Novembro de 2006.















Constituição, Ayahuasca e o Conad: um novo caminho (10/10/2004)





1. A Constituição da República Federativa do Brasil, já em seu preâmbulo, reconhece a liberdade como pressuposto de sociedade pluralista, formada de diversas concepções políticas, sociais, religiosas e culturais, retratando o processo de formação histórica do povo brasileiro. Vai além, não só ao assegurar, no rol de direitos fundamentais, a liberdade de crença, opinião e consciência enquanto direitos fundamentais colocados além da disposição do legislador, mas ao ordenar que o Estado Brasileiro garanta, apóie, incentive e proteja as manifestações culturais populares, indígenas e afro-brasileiras enquanto participantes do processo civilizatório nacional (art. 215 e § 1º, CF).

2. Nas disposições constitucionais que reconhecem a participação de diversas culturas e grupos na formação da nação brasileira, e não só na perspectiva dos direitos fundamentais de credo, consciência e opinião, está o fundamento jurídico-constitucional da realização, pelo CONAD ( Conselho Nacional Antidrogas), nos dias 8 e 9 de março de 2006, em Rio Branco/AC, do seminário para escolha de 6 representantes de entidades que fazem uso de ayahuasca no meio urbano e que comporão ¿ juntamente com seis renomados especialistas de diversas áreas das ciências (direito, psiquiatria, antropologia, farmacologia/bioquímica, psicologia, sociologia) ¿ grupo multidisciplinar de trabalho destinado a estudar, levantar e acompanhar o uso religioso da ayahuasca e a pesquisa de sua utilização terapêutica.

3. O CONAD é o órgão maior do Sistema Nacional Antidrogas e tem a SENAD ¿ Secretaria Nacional Antidrogas como sua Secretaria Executiva, entes que delineiam a política brasileira referente às drogas, definem o que é substância entorpecente para fins de persecução penal e representam o Brasil junto à comunidade internacional nos foros deliberativos acerca de drogas (prevenção, tráfico, repressão, consumo etc). É destes órgãos a decisão de permitir o uso religioso da substância psicoativa conhecida, genericamente, como ayahuasca (mariri, yagé, caapi, natema, daime, vegetal etc) em rituais religiosos a partir da verificação de que este uso: i) é expressão de religião ancestral, de origem indígena e anterior à formação da cultura ocidental judaico-cristã; ii) não há abuso nem dano à saúde mental e física em decorrência de seu uso religioso; iii) contribui para a afirmação da identidade cultural brasileira e, em especial, da Amazônia.

4. Esta decisão do Governo Brasileiro se constitui, de per si, em vívida afirmação de Soberania e de valorização, reconhecimento e respeito às manifestações culturais de seu povo. Ao mesmo tempo contrariou orientação de agências estatais americanas de combate às drogas que viam e vêem na ayahuasca apenas uma, dentre tantas, das substâncias que a compõe, a DMT, em raciocínio análogo ao de quem condenaria o guaraná (de qualquer marca), refrigerantes tipo cola¿s, café ou chá de cidreira apenas ao saber que têm, todos, substâncias psicoativas como um dos seus ingredientes, pouco importando a quantidade ou o efeito concreto.

5. Originalmente ayahuasca, fruto do cozimento de duas plantas (o cipó Bannisteriopsis caapi e a folha Psychotria viridis), nasceu entre os índios, cada grupo indígena, às vezes, cada tribo, elaborando-a de modo diverso, tendo em comum, apenas, seu uso religioso. Do meio indígena decorreu o uso por caboclos, mestiços, curanderos, vegetalistas, como alguns são conhecidos. A partir de 1920, no Acre, com Raimundo Irineu Serra, deu-se início a seu uso urbano, agora com o nome de Daime e com introdução de elementos cristãos e ritual com formato original. Em fins da década de 50 surge uma variante, denominada de Barquinha, criada por Daniel Pereira de Matos. Durante os anos 60, em Rondônia, aparece o Vegetal, tendo como fundador José Gabriel da Costa.

6. Destas três grandes vertentes do uso urbano decorreram, nos últimos 30 anos, diversas outras entidades e usos, com enorme variação de rituais e doutrinas, de modo que a mesma palavra, ayahuasca, daime ou vegetal designa entidades e usos diferentes e, não raro, conflitantes. Um exemplo: Daime designa no Centro-Sul brasileiro, Itália, Espanha, França e Argentina doutrina diferente da criada por quem cunhou este termo na Amazônia e que ainda é mantida, o que, a despeito de não caracterizar um ilícito de qualquer ordem, induz a considerar igual fenômenos culturais que em verdade são diferentes, gerando confusão na mídia, na opinião pública e mesmo junto ao Poder Público ao atribuir predicados, virtudes ou deformações que são próprios e exclusivos de dado grupo e não de outros: há quem use Daime associado a cannabis sativa (maconha), há quem usa só Daime com efeitos e doutrinas diferentes; uns comercializam ayahuasca ou as plantas de que é composta, outros repugnam tal comércio. Estas diferenças, de enorme relevo, merecem, por isto mesmo, individualização. Assim como dizer-se cristão pouco diz da religião de alguém, impondo-se que se esclareça se católico, evangélico, pentecostal, presbiteriano, espírita, batista etc, ayahuasca também carece de complementação quanto a que uso e prática nos reportamos quando invocamos este termo.

7. O CONAD não escolheu os representantes das entidades que fazem uso da ayahuasca: preferiu que as entidades, reunidas, escolhessem. É possível discutir-se esse método de seleção, mas não se tem como negar a legitimidade democrática e cidadã que advém desta escolha, afastando critérios que poderiam ser tachados de arbitrários. Com o objetivo de que os escolhidos espelhassem, o máximo possível, os diversos usos e práticas da ayahuasca no Brasil, o CONAD dividiu os diversos segmentos que usam ayahuasca em grupos para que indicassem, cada segmento ou grupo, representante das entidades que: a) crêem preservar a Doutrina de Raimundo Irineu Serra; b) professam a Doutrina de Daniel Pereira de Matos (Barquinha); c) cultivam os ensinamentos deixados por José Gabriel da Costa (Vegetal); d) mantêm a doutrina deixada por Sebastião Mota, além de dois representantes de outros usos de ayahuasca diversos daqueles, num total de 6.

8. A distinção feita pelo CONAD, sem prejuízo de outros critérios que poderiam ser utilizados: i) espelhou critério histórico e alinhou por fundador, tanto quanto possível, os diversos segmentos e doutrinas; ii) colaborou para melhor esclarecimento do assunto junto à opinião pública, mídia e governo ¿ que passarão a ter um mínimo de referência na identificação de grupos e práticas diferentes entre si e que, a despeito de suas diferenças abissais, eram considerados iguais e; iii) contribuiu para o processo de maturação, autodescobrimento, fortalecimento e afirmação da identidade de cada grupo. Talvez esse seja o efeito mais positivo daquela classificação: estimulou a assunção, por cada segmento, de sua história, características, ritual e doutrina.

9. O Estado Brasileiro deu notável demonstração de soberania e respeito à sua história e a seu povo ao reconhecer manifestação cultural própria e autêntica, provinda de quem contribuiu para construção da identidade nacional, os índios. Nas palavras do Presidente do CONAD, Gen. Paulo Roberto Y. Uchoa: ¿não se discte a autorização para o uso ritual da ayahuasca no Brasil. Isto já é pacífico há muito¿ (grifei). Ocorre que ayahuasca, com sua expansão no meio urbano a partir de 1980, tomou novas conformações, diferente de suas origens, de modo que há, na atualidade, a) uso não-ritual (a título de experiências terapêuticas que desafiam o código de ética médica, terapias alternativas, uso recreativo); b) intenso e lucrativo comércio (com ofertas na internet, jornais; em algumas cidades já há até disk daime), c) turismo (eufemisticamente denominado de religioso); d) introdução, por alguns e bem definidos grupos, de cannabis sativa e outros psicoativos associados a ayahuasca, os quais abrem a discussão acerca do caráter ilícito, sob a ótica penal, desta associação. As nuances que a ayahuasca assumiu na atualidade exigem estudo, levantamento, reflexão madura e serena e decisão por parte dos envolvidos e do Estado.

10. Há quem veja na postura do CONAD tanto i) tentativa de restrição do direito à liberdade religiosa sob o manto da regulamentação, quanto ii) liberalidade incompatível com o combate às drogas. São posições extremas. Não há o mínimo indício de que o Estado queira discriminar, sob o pálio da normatização ou estudo, dada religião. Mais parece buscar identificar e garantir o que é o exercício de religiosidade ancestral e verdadeira e separá-la do consumo recreacional, comercial, nocivo ou irresponsável de qualquer substância psicoativa. A tarefa, conquanto difícil, insinua-se necessária e não é pioneira: nos Estados Unidos, na esteira da autorização para uso ritual do psicoativo peyote pelos nativos, surgiram questões relativas à legitimidade do uso da maconha por grupos que afirmavam praticar religião, tendo a Administração e o Judiciário estadunidenses negado tal reconhecimento, distinguindo ou buscando distinguir o que é i) prática religiosa, ali denominada de sincera [no sentido de que expressaria religiosidade nativa, própria, milenar], ii) de estilo ou filosofia de vida que faz uso de [qualquer] psicotrópico, garantindo àquela seu livre exercício.

11. É certo que: i) em se tratando de religião, prática cultural, tema onde não há definições prévias nem estanques e o que é ritual ou sagrado para um não é para outro, com enorme possibilidade de preconceitos e; ii) diante dos inúmeros exemplos que a história oferece de intolerância e perseguição, tanto por parte do Estado quanto por parte de outro segmento religioso, não raro oculta ¿ a intolerância ¿ sob o argumento de defesa da saúde pública, do interesse coletivo, da moral ou bons costumes e sob os auspícios da ciência, merece redobrada cautela e reflexão estudos e decisões relativos ao tema.

12. Entretanto, repise-se, o Estado Brasileiro, por seus órgãos, tem demonstrado cuidado e responsabilidade no trato da questão, evidenciando que se preocupa, simultaneamente, em garantir prática religiosa ancestral com, no mínimo, três mil anos de existência, em rigoroso respeito à liberdade religiosa, como, também, tem mostrado que quer evitar, como lhe cabe, o uso irresponsável e nocivo de qualquer psicotrópico, quer em cumprimento à Constituição Federal, quer em cumprimento aos tratados internacionais de que é signatário como membro da comunidade das nações.

13. Ao abandonar, como fez há muito, o mero exame objetivo como critério para classificação de substância psicoativa e buscar decidir com fundamento em estudos antropológicos, sociológicos e psico-neurológicos, além de jurídicos e bioquímicos, o Estado Brasileiro age buscando uma visão global e multifacetária do fenômeno, o que lhe permite decidir se dado uso de um psicoativo, além de ser expressão de religiosidade, é inofensivo ao homem, possibilitando ainda que reconheça (o que sempre é difícil) o outro, o diferente, aquele que tem prática cultural, religião, cor, língua diversa da predominante. E este é um bom caminho.


Autor:
Fonte: OBID (Observatório Brasileiro de Informações Sobre Drogas)

referencia:http://www.obid.senad.gov.br/portais/OBID/conteudo/web/noticia/ler_noticia.php?id_noticia=7498